segunda-feira, outubro 22

dias de sol (primeira parte)

Andei a aproveitar tudo ao máximo, e deixei o caderno e o lápis de lado. Agora já passou tempo, e as férias já não são no papel o que foram no corpo e arredores. De qualquer forma não deixo de vos contar o que foram, agora que as amadureci na cabeça.


Começaram com o fim do curso de canto, com óculos de sol, e com uma semana de férias por cá pelo porto, com a Inês Melo e outra gente que faz os meus dias.
Conheci o Geremy (que me contou a história do pipo martino e da cadeira ciumenta)e o Samuel (de quem não vou falar e com quem pouco falei, mas que ficou para a história) e o Max de pés descalços e olhos meigos e sem ninho que reencontrei no fim das férias no adamastor, molhei os pés no lago dos leões, os ciganões e a marta que cantaram conosco e para nós, o medo, o Óscar (com o mundo no bolso, caderninhos-de-me-fazer-perder-a-cabeça na mochila, e qualquer coisa nos olhos e nas mões que talvez um dia perceba o que é, mas que o faz dar e dar e dar).

Ela: agora estava a imaginar que a nossa vida tinha mudado completamente de ontem para hoje. Esta seria a conversa mais importante das nossas vidas.
Ele: tive 3 filhos: dois rapazes e uma rapariga. O mais velho tem 18, o segundo 16 e a piquena tem 13.
Ela: tenho tanta coisa para te contar! Tirei o curso, arranjei emprego e trabalho numa escola no Brasil. Continuo a cantar na banda jazz aos fins-de-semana, no bar colado á praia. Comprei uma casa linda, fresca no verão e aconchegante no Inverno (que não se sente como aí). Já não vivo sozinha. Estou grávida. Vai-se chamar framboise, como eu chamava á minha irmã aos 19 anos. Faço chapéus de palha á tarde para oferecer aos miúdos de rabo ao léu. A ‘boise também vai crescer assim.. ao vento. Ás vezes lembro-me de como foi ter a idade deles.. e tenho medo de não ser tão boa mãe como queria. Leio bastante, cá.. os dias passam bem. As saudades apertam, de vez em quando, mas sei-vos sempre perto.
Ele: abri um bar, sabes? Entre a casa e o Vasco da gama. Agora vivo em telheiras. Mas o bar correu bem.. é um pub fixe, pa!
(ele explica: acho que era bom pra eles.. eu sempre quis ter um irmão da minha idade, e como pai deve ser giro ter uma filha.. mas pra não ter de me preocupar muito com ela, tenho os dois mais velhos para fazer isso).
(ela explica: não sei bem.. de repente vi-me lá. Solzinho, pouca roupa, verão quase todo o ano. Gente porreira e conversadora.)
(ela acrescenta: ..eu ia ser bem tratada lá.)
(tinha 29 anos, ela. e ele? Já uns 40? 50?)

E fizemo nos á estrada. Festival de musicas do mundo, em sines. Esquecemo-nos mais ou menos de tudo o que precisávamos para sobreviver lá, mas sempre nos desenrascámos bem.
Vimos altos concertos, fomos á praia para ganhar uma corzinha apetitosa, de quem gosta mesmo é de férias, contámos tostões, conhecemos o tim, o filho-da-terra, reencontrei o pascal (mohamed! Mohamed! Mohamed!), conhecemos o tio Vasco que nos tirou fotografias para que ficássemos para a história (pelo menos para a nossa), conheci o Zé, e o mouro, e o garhan. Nós éramos as de sempre. Eu, as Inêzes Melo, a Joana, a Rita, e a Maria. Atingimos o equilíbrio.



Andanças (e o coração aperta-se-me, de quente).
No andanças sou quem mais gosto de ser. Sou sem tempo, com cor e passinhos de dança, com gente porreira e sem idade. Sem barreiras e com cheiros e sabores de todos os cantos do mundo, que cabem todos no meu. Começando pelos dites e companhia limitada, passando pelo gilles (de quem gosto tanto, tanto, tanto!) e pela marion e pelo rephael, e pelo silvan, e pela porta da igreja que se tornou mais nossa casa do que qualquer tenda, e pelas noites intermináveis e horas de sono poucas, que tornaram aqueles 10 dias num enorme.
Dormimos bem na primeira noite (em que ainda não há nada de especial a acontecer), e depois disso, estamos prontas para o que der e vier. Começamos a dançar depois do jantar, e paramos no dia a seguir, lá pró meio-dia, hora a que dormimos a sesta. Ás três, estamos normalmente acordadas (que mais não seja por causa das gaitas de foles que não deixam dormir quem gosta da noite) e a precisar de comer e de uma coca cola. durante a tarde vadiamos e conhecemos caras e corações. vamos acordando e multiplicando as forças que sobraram, jantamos, começamos a dançar depois do jantar, e paramos no dia a seguir, lá pró meio-dia..
Não faria sentido contar-vos das madrugadas em que éramos uma aldeia, e o corpo tinha energia interminável, e tudo fazia todo o sentido do mundo. Não faria sentido contar-vos das viagens que fiz, de olhos fechados, enquanto rodopiava com um par de olhos que não os meus. Não faria sentido contar-vos o que sinto quando 4 pés, e 4 mãos, e 2 ancas, e 4 joelhos, e 4 olhos, se juntam para formar um par de dança. Não faria sentido contar-vos do Vicente que dançava enquanto tocava incrivelmente ao meu gosto, nem do mambo, nem do pietro, nem da bourré perfeita com o raphael, thomas, silvan e gilles, nem dos chuveiros de água quente, nem dos xixis atrás dos palcos, nem das jam’s, nem da música da pica, nem das primaveras, nem das promessas que fizemos naturalmente uns aos outros sem abrirmos sequer a boca, nem das horas de trabalho, nem do le bistrot tocado pela rapariguinha ao acordeon, nem do silvan a cantar como um louco, de voz rouca e quente, nem de quanto crescemos para todos os lados só com aquele ar e aquela gente. Não faria sentido contar-vos, porque não o sentem se não o viverem.

Daí para a culatra, com a mãe e as inezes. De mil a cem, fomos obrigadas a voltar a (as)sentar os pés no chão. Foram dias bons, para fazermos digestão de tudo o que vimos na semana anterior, para a mãe e a Inês se descobrirem finalmente, para irmos á praia a sério, para pormos conversas e escritas e leituras em dia, para comer bem, para reencontrarmos a Joana, a patrícia e a Leonor, para aproveitarmos o terraço, o acordeon, e a vontade de voltar. Tivemos baloiços, baratas e boa música, velhos por todo o lado e jovens sem grande interesse e em reduzido número, tivemos um copo de vinho doce do porto, tivemos bilhar, tive novo corte de cabelo para começar vida nova, e tivemo nos umas ás outras.

4 Comments:

Blogger Rosa Félix said...

com curiosidade, fico à espera da segunda metade...

1:50 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

E tao bom ler-te aqui.. Aquece-me.

Um xi.

(Ana Luísa)

11:16 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

sim, falta queimada(demasiado importante para faltar!), os dias em 'nossa' (tua) casa,.. encontros e despedidas(: recordar isto e bom.. entao do outro lado do mundo, ainda melhor.

(marrie, from Holand)

10:14 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

que bom ler as tuas férias, que já me tinhas segredado ao ouvido através do telefone. no verão a magia rebenta em alegria, e depois guardamos tudo, a vida toda. beijo de lua

11:28 da manhã  

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