segunda-feira, dezembro 27

dentro dos muros

Na altura em que conheci o manel, pensei muito sobre estar-se preso num corpo. O facto de se estar para sempre dependente de mais mãos que as nossas abriu, no caso dele, as portas ao dar-sem-fim.

Algum tempo depois conheci a solidão, a sobrevivência e a força dos muros.
Passámos três portas fechadas á chave e sempre guardadas antes de os vermos. Eram uma mistura de histerismo e raiva animal, que formava um corredor até à porta por onde só alguns entraram ao nosso lado.
Ali davam-se apertos de mão, e aquela frieza ao mesmo tempo que me sufocava, adormecia o medo.

Foi ali, naquele ginásio de secundário com palco como o do meu e bancos de igreja a todo o comprimento, que alguns souberam os nomes uns dos outros. Ali eram o número que tinham.
Só sentia barreiras entre nós. Só sentia barreiras dentro de mim.
Éramos três mulheres no meio de homens. Os guardas eram um terço de nós. Até percebermos onde acabávamos e o que não fazia parte de nós ali, o meu corpo andou em guerra-fria. Depois disso fizemos coisas muito importantes. Já não éramos mais os mesmos.

A apresentação foi lá dentro, que de lá não saem. Os bancos encheram: dum lado o resto dos reclusos, do outro as famílias com ar desconfiado, ofendido e em dia de visita.
Só me apercebi depois que estávamos todos nervosos, mas a verdade é que foi isso que nos fez ser tanta força. Era quase tribal mas sem cores de terra nem danças da chuva. Éramos pedra, inquebráveis.
Lembro-me de olhar a toda a volta no fim: estávamos todos a rir. Alguns choravam também e outros ainda não.

“Somos reclusos, mas não estamos presos.”

Quando saíram todos, instalou-se o silêncio. Percebi que o que me separa de alguns deles é muito pouco.

Quando voltei a ver a luz do sol e a brisa fresca me bateu na cara chorei mil soluços, finalmente descontrolada. Mas só eu é que vim para casa.