sexta-feira, janeiro 19

para nós, que perdemos o juizo

Ele vinte anos, e ela dezoito
E há cinco dias sem trocarem palavra
Lembrando as zangas que um só beijo curava
E esta história começa no instante
Em que o homem empurra a porta pesada
E entra no quarto onde a mulher esta deitada
A dormir de um sono ligeiro

E no quarto, às cegas,
O escuro abraça-o como que a um companheiro
Que se conhece pelo tocar e pelo o cheiro
E é o ruído que o chão faz que lhe traz
O gosto ao quarto depois de uma ruptura
Faz-lhe sentir que entre os dois algo ainda dura
Dos dias em que um beijo bastava

E agora, da cama
Vem uma voz que diz sussurrando: És tu?
E a luz acende-se sobre um braço nu
E a mulher pergunta: A que vens agora?
É que não sei se reparaste na hora
Deixa dormir quem quer dormir, vai-te embora
Amanhã tenho de ir trabalhar

Não fales, que o bebé ainda acorda
Não grites, que o vizinho ainda acorda
E não me olhes, que o amor ainda acorda
Deixa-o dormir, o nosso amor, um bocadinho mais
Deixa-o dormir, que viveu dias tão brutais

E o homem de pé
Parece um rapazinho a ver se compreende
E grita e diz que ele também não se vende
E que quer a paz mas de outra maneira
E nem que essa noite fosse a derradeira
Veio afirmar quer ela ou não queira
Que os dois ainda têm muito a aprender

Se temos…! Diz ela
Mas o problema não é só de aprender
É saber a partir daí que fazer
E o homem diz: Que queres que responda?
Não estamos no mesmo comprimento de onda…
Tu a mandares-me esse sorriso à Gioconda
E eu com ar de filme americano

Somos tão novos, diz o homem
E agora é a vez de a mulher se impacientar
Essa frase já começa a tresandar
É que não é só uma questão de idade
O amor não é o bilhete de identidade
É eu ou tu, seja quem for, ter vontade
De mudar e deixar mudar

Não fales que o bebé ainda acorda
Não grites, que o vizinho ainda acorda
E não me olhes que o amor ainda acorda
Deixa-o dormir, o nosso amor, um bocadinho mais
Deixa-o dormir, que viveu dias tão brutais

E assim se ouviu
Pela noite fora os dois amantes falar
E o que não vi só tive que imaginar
É preciso explicar que sou eu o vizinho
E à noite vivo neste quarto sozinho
Corpo cansado e cabeça em desalinho
E o prédio inteiro nos meus ouvidos

Veio a manha e diziam
Telefona ao teu patrão, diz que hoje não vais
Que viveste assim uns dias tão brutais
E que precisas de convalescença
Sei lá, inventa qualquer coisa, uma doença
Mete um atestado ou pede licença
Sem prazo nem vencimento, se preciso for

Vá fala, que o bebé já esta acordado
O vizinho deve estar já acordado
E o amor, pronto, também está acordado
Mas tem cuidado, trata-o bem
Muito bem, de mansinho
Que ainda agora vai pisar outro caminho.

meu, sérgio godinho