segunda-feira, outubro 22

dias de sol (segunda e última)

É em queimada que continua a nossa viagem. Gosto tanto de queimada.
Há sempre gente nova que vem experimentar, há sempre gente velha, que já sabe para onde vai. Todos os anos é diferente. Este ano não foi o Pedro, portanto foi altura de sermos nós os pilares do pai. Tem piada ver o tempo passar por nós (e queimada como pano de fundo, desde que nascemos).
Ainda antes de lá chegarmos conhecemos o maxime e o simon, que acabaram por trazer o (mon) simon e ir passar a noite e pequeno-almoço tardio connosco, rodeados de verde.
O pai foi doce, e juntos mostramos lhes um bocado do que é queimada. Tocavam e cantavam, e o tempo passou rápido demais, quando devia ter passado em pezinhos-de-lã.
Acabámos todos na eira a cantarolar ao som do cavaquinho e do acordeon, aquecidos pelo “é bom estar cá” que não foi dito.
O tempo passou e passou, e eu á conversa com ele. Encheu me a barriga. Se comecei o meu ano de vida nova cheia de vontade de o começar, devo-o a ele. Era professor de música de putos entre os 3 e os 12, e tinha cara de nascer-de-dia e mãos quentes. Tinha mil planos de vida e mil histórias guardadas nos cabelos compridos, e um gosto contagiante pelo que escolheu fazer, cravado nos olhos claros.
Gostava de o voltar a ver daqui a uns anos, e saber se sempre fomos o que queríamos ser.
Depois deles a Maga, a Cata, o Bitó, a Maria, a Rita, o Gustavo, a Tita, o Gonçalo, o Pilas, o João, o Óscar, a Joana, a Rosa, a Inês, e espero que não falte ninguém, vieram aquecer nos (e aquecer se) também.
Os dias passam calmos á nossa volta, e nada calmos cá por dentro.
Fizemos videoclips, tocámos uns com os outros cada um como podia, tivemos conversas importantes, chorámos ao colo uns dos outros, rimos ao colo uns dos outros, o pai fez anos, fizemos todos anos com ele, vimos a Mónica Sintra, andámos no “V”, gamámos gomas para fazermos uma ceia como pedia a noite, comi farturas, cortámos o cabelo á Maria, andámos á boleia para manter a tradição, e o resto fez parte do passar natural dos dias.

Eu, Rita e Inezes. As 4, sentadas á mesa, decidimos que era Aveiro, e acordeon, flauta de bisel, jambé, beija-mim, missangas e bujigangas, swings e malabares. Fizemos as malas e uma noitada para os preparos, e apanhámos o comboio. “Gastamos o mínimo de dinheiro possível a sobreviver, e tudo o que ganharmos guardamos até ser gasto no combinado”.
A Bella arranjou nos casa e com ela o to(u)ni, e a outra Isabel, e boa onda que nos fez sentir em casa, arranjámos comida barata no supermercado (tarefa facilitada pela Rita e pelo seu jimbé), arranjámos bom posto em frente á confeitaria com os melhores ovos moles de lá (e tivemos direito a mimos deles, que gostaram de nós e pagavam a companhia em ovos moles e bombons), tocámos e tocámos e tocámos, e foi bom ver nos. juntámos mais dinheiro do que o que qualquer uma de nós podia estar á espera, encontrámos o Douglas e acabámos por não lhe conseguir dar os espinafres que lhe ficaram prometidos, não tomámos banho, não dormimos muito, e curtimos de carago.
Não tínhamos combinado direito quando voltávamos, mas também não foi preciso. A Maria ligou, e decidimos que estava na hora.
Preparámos-lhe o dia de que ela precisava. Fechamo-nos em casa, sem relógios e sem pressas, e percorremos a casa com mimos em cada canto que encheram o dia até cairmos para o lado de cansaço e barriga cheia. Porque de facto, estamos cá umas para as outras.

(Tremiam-me os joelhos. Chegou, sorriu-me, dei-lhe um beijo, dei-lhe a mão, e mostrei-lhe o meu porto.)

Entretanto a Maria ia para a Holanda. Fizemos lhe um kit-de-papoila-viajante, dos que já tínhamos feito para a Tita quando ela foi, enchemos lhe a casa (nós e outros), e foi bom ver tanta gente a gostar dela.


Avante camarada, avante!
Chega-se, monta-se tenda sempre no mesmo sítio, e não se sabe como começa de facto.
Este ano estávamos mais do que estoiradas. Deitámo nos na relva, e esperámos que começasse por nós. Acordámos com ele a começar ao de leve. Caras conhecidas, junta-se gente, as primeiras flautas para acordar a música que só se ouve aqui e ali no avante, e pronto. Estava feito.
A partir daí os dias não têm relógios, não há “temos de”, estamos rodeados de gente em todo o lado, e acho que acabamos por não fazer nada de especial da melhor maneira do mundo. Apresentámo(no)s (a)o didi, reencontrámos gente e mais gente (desde expozianos – que saudades, sócia!- ao Zé Francisco), conhecemos o Mathieu e os irmões unos (Bruno e Nuno), ela conheceu o Nuno e o Nuno conheceu-nos, Saint-Claire, carvalhesas a torto e a direito, algumas que ficam para a história (como a primeira do didi, a das bandeiras no ar e espírito nacionalista no peito, e a que acabou com reunião em que decidimos que nos separávamos ali, e só nos reencontrávamos á porta, sem grandes paragens e com relatos de meia hora de avante só de cada um de nós), vontade é ávontade para passar dias e dias de pijama, tripadelas, e outras que tais. “vamos de costas. Do palco principal á porta da tenda”. A Leonor levou-nos até á porta do recinto, de lá á porta do acampamento levou-nos um simpático e incrédulo com a combinação de olhos muito azuis e cabelo loiro (right, right.. stop! Baby car.. (i’m sorry..), straight, straight..), e depois de lá á tenda choveram ajudas de vizinhos que alinharam na parvoeira. Comi daquelas maças caramelizadas, e uvas e morangos, mais merdas que adormecem o estômago, e comi palavras, e vi o Tito Paris, e perdemos telemóveis, e EPs, e cabeças e braços e corações e concertos, e perdemo-nos umas das outras para nos voltarmos a encontrar ao virar da esquina, e dei novamente bom uso aos meus óculos de sol.
E pronto. Como não fazemos nada de especial, e os dias correm naturalmente sobre rodas, não se contam, vivem se de pantufas.

Apanhámos o barco, cada um mais porco que outro, e mais habituado a essa porcalhice que o terceiro. Resolvemos que não era ali, á porta do barco que a viagem acabava. Resolvemos gamar uns pêssegos e maçãs para um lanchinho, e rebolámos até ao Adamastor onde se juntaram outras flautas aos caracóis, onde vi o Max bem mais contente e menos perdido, onde me despedi de Lisboa sem dizer a ninguém. Sem grandes palavras (porque depois de vivermos tanto tempo uns com os outros não é preciso mais do que dois ou três grunhidos para sabermos que “foi bom, vamos ter saudades, é bom descobrirmo-nos e termos vivido o que vivemos, cada um á sua maneira” despedimo-nos.
Uns dos outros, e do Verão, que cá anda todos os anos, de hormonas aos saltos e mochila ás costas.

dias de sol (primeira parte)

Andei a aproveitar tudo ao máximo, e deixei o caderno e o lápis de lado. Agora já passou tempo, e as férias já não são no papel o que foram no corpo e arredores. De qualquer forma não deixo de vos contar o que foram, agora que as amadureci na cabeça.


Começaram com o fim do curso de canto, com óculos de sol, e com uma semana de férias por cá pelo porto, com a Inês Melo e outra gente que faz os meus dias.
Conheci o Geremy (que me contou a história do pipo martino e da cadeira ciumenta)e o Samuel (de quem não vou falar e com quem pouco falei, mas que ficou para a história) e o Max de pés descalços e olhos meigos e sem ninho que reencontrei no fim das férias no adamastor, molhei os pés no lago dos leões, os ciganões e a marta que cantaram conosco e para nós, o medo, o Óscar (com o mundo no bolso, caderninhos-de-me-fazer-perder-a-cabeça na mochila, e qualquer coisa nos olhos e nas mões que talvez um dia perceba o que é, mas que o faz dar e dar e dar).

Ela: agora estava a imaginar que a nossa vida tinha mudado completamente de ontem para hoje. Esta seria a conversa mais importante das nossas vidas.
Ele: tive 3 filhos: dois rapazes e uma rapariga. O mais velho tem 18, o segundo 16 e a piquena tem 13.
Ela: tenho tanta coisa para te contar! Tirei o curso, arranjei emprego e trabalho numa escola no Brasil. Continuo a cantar na banda jazz aos fins-de-semana, no bar colado á praia. Comprei uma casa linda, fresca no verão e aconchegante no Inverno (que não se sente como aí). Já não vivo sozinha. Estou grávida. Vai-se chamar framboise, como eu chamava á minha irmã aos 19 anos. Faço chapéus de palha á tarde para oferecer aos miúdos de rabo ao léu. A ‘boise também vai crescer assim.. ao vento. Ás vezes lembro-me de como foi ter a idade deles.. e tenho medo de não ser tão boa mãe como queria. Leio bastante, cá.. os dias passam bem. As saudades apertam, de vez em quando, mas sei-vos sempre perto.
Ele: abri um bar, sabes? Entre a casa e o Vasco da gama. Agora vivo em telheiras. Mas o bar correu bem.. é um pub fixe, pa!
(ele explica: acho que era bom pra eles.. eu sempre quis ter um irmão da minha idade, e como pai deve ser giro ter uma filha.. mas pra não ter de me preocupar muito com ela, tenho os dois mais velhos para fazer isso).
(ela explica: não sei bem.. de repente vi-me lá. Solzinho, pouca roupa, verão quase todo o ano. Gente porreira e conversadora.)
(ela acrescenta: ..eu ia ser bem tratada lá.)
(tinha 29 anos, ela. e ele? Já uns 40? 50?)

E fizemo nos á estrada. Festival de musicas do mundo, em sines. Esquecemo-nos mais ou menos de tudo o que precisávamos para sobreviver lá, mas sempre nos desenrascámos bem.
Vimos altos concertos, fomos á praia para ganhar uma corzinha apetitosa, de quem gosta mesmo é de férias, contámos tostões, conhecemos o tim, o filho-da-terra, reencontrei o pascal (mohamed! Mohamed! Mohamed!), conhecemos o tio Vasco que nos tirou fotografias para que ficássemos para a história (pelo menos para a nossa), conheci o Zé, e o mouro, e o garhan. Nós éramos as de sempre. Eu, as Inêzes Melo, a Joana, a Rita, e a Maria. Atingimos o equilíbrio.



Andanças (e o coração aperta-se-me, de quente).
No andanças sou quem mais gosto de ser. Sou sem tempo, com cor e passinhos de dança, com gente porreira e sem idade. Sem barreiras e com cheiros e sabores de todos os cantos do mundo, que cabem todos no meu. Começando pelos dites e companhia limitada, passando pelo gilles (de quem gosto tanto, tanto, tanto!) e pela marion e pelo rephael, e pelo silvan, e pela porta da igreja que se tornou mais nossa casa do que qualquer tenda, e pelas noites intermináveis e horas de sono poucas, que tornaram aqueles 10 dias num enorme.
Dormimos bem na primeira noite (em que ainda não há nada de especial a acontecer), e depois disso, estamos prontas para o que der e vier. Começamos a dançar depois do jantar, e paramos no dia a seguir, lá pró meio-dia, hora a que dormimos a sesta. Ás três, estamos normalmente acordadas (que mais não seja por causa das gaitas de foles que não deixam dormir quem gosta da noite) e a precisar de comer e de uma coca cola. durante a tarde vadiamos e conhecemos caras e corações. vamos acordando e multiplicando as forças que sobraram, jantamos, começamos a dançar depois do jantar, e paramos no dia a seguir, lá pró meio-dia..
Não faria sentido contar-vos das madrugadas em que éramos uma aldeia, e o corpo tinha energia interminável, e tudo fazia todo o sentido do mundo. Não faria sentido contar-vos das viagens que fiz, de olhos fechados, enquanto rodopiava com um par de olhos que não os meus. Não faria sentido contar-vos o que sinto quando 4 pés, e 4 mãos, e 2 ancas, e 4 joelhos, e 4 olhos, se juntam para formar um par de dança. Não faria sentido contar-vos do Vicente que dançava enquanto tocava incrivelmente ao meu gosto, nem do mambo, nem do pietro, nem da bourré perfeita com o raphael, thomas, silvan e gilles, nem dos chuveiros de água quente, nem dos xixis atrás dos palcos, nem das jam’s, nem da música da pica, nem das primaveras, nem das promessas que fizemos naturalmente uns aos outros sem abrirmos sequer a boca, nem das horas de trabalho, nem do le bistrot tocado pela rapariguinha ao acordeon, nem do silvan a cantar como um louco, de voz rouca e quente, nem de quanto crescemos para todos os lados só com aquele ar e aquela gente. Não faria sentido contar-vos, porque não o sentem se não o viverem.

Daí para a culatra, com a mãe e as inezes. De mil a cem, fomos obrigadas a voltar a (as)sentar os pés no chão. Foram dias bons, para fazermos digestão de tudo o que vimos na semana anterior, para a mãe e a Inês se descobrirem finalmente, para irmos á praia a sério, para pormos conversas e escritas e leituras em dia, para comer bem, para reencontrarmos a Joana, a patrícia e a Leonor, para aproveitarmos o terraço, o acordeon, e a vontade de voltar. Tivemos baloiços, baratas e boa música, velhos por todo o lado e jovens sem grande interesse e em reduzido número, tivemos um copo de vinho doce do porto, tivemos bilhar, tive novo corte de cabelo para começar vida nova, e tivemo nos umas ás outras.