Sinfonia do Novo Mundo
"acordou de manhã com a brisa que entrava pela janela. ainda não totalmente saída do sonho em que se metera sentou-se na cama. esperguiçou-se, enrolou-se na manta que estava aos pés da cama e chegou-se á janela.
a mesma rua estreita, a mesma padaria, o carteiro (hoje atrasado), o barulho das cantigas das lavadeiras, o mesmo tempo, o mesmo café. mas havia qualquer coisa de novo.. qualquer coisa que não conseguia perceber o que era.
lavou a cara e os dentes, vestiu o vestido das flores de que tanto gostava, e saíu porta fora com um ar esvoaçante, hoje como nunca.
estranho.. estava tudo igual! a mesma vila que conhecia desde que tinha nascido, e de antes disso, das histórias que a avó lhe contava, mas ao mesmo tempo, sentia-se num musical! parecia que as coisas cantavam á sua volta, que os caminhos que percorria todos os dias hoje lhe falavam, lhe sorriam. até o Sr. António a quem fazia companhia até junto do seu rebanho, sempre com um ar cizudo e de poucos amigos hoje lhe parecia estranhamente meigo..
subiu até ao canto do monte de que mais gostava e deitou-se de olhos fechados. gostava tanto daquele sítio! da maneira como o "assobio", o riacho, escorregava pelo monte abaixo..estariam os dois piriquitos daquela àrvore a falar com ela? Estranho..
o sorriso rasgou-se sem que ela pudesse fazer nada, até os olhos estarem pequeninos e o nariz enrogado. Queria pedir uma coisa ao Gil.
O Gil era um amigo, uns anos mais velho do que ela, de quem nunca tinha ouvido uma palavra. Sempre pintara e era assim que falava. Como era bom ouvi-lo..! sentou-se á beira dele, debaixo do carvalho mais antigo e desenhou uma biciclete. Correram monte abaixo até ao centro da vila e depressa convencera a Dona Ana e o Sr. João a ceder-lhes as duas bicicletes.
Primeiro com algum cuidado fugiram do centro da vila até estarem longe de outras caras senão as duas, sorridentes e de olhos brilhantes. Pararm, olharam um para o outro, soltaram uma gargalhada e pedalaram o mais rápido que podiam. Eram donos do mundo. Eram eles próprios o vento.
Já conheciam aqueles caminhos, mas naquele dia redescobriam-nos, e a música continuava a ecoar triunfante em cada uma das cabeças.
A noite foi caíndo sobre as rodas voadoras das bicicletes, mas a viagem continuava. Era isso! Viajavam como se aquele mundo fosse um mundo novo!
Ouviram vozes ao longe a chamar por eles, devidiram-se, e cada um deles, pelos seus atalhos foi entregar a biciclete.
Encontraram-se debaixo do carvalho, deram um abraço, e correram para casa.
Só dias depois perceberam o que aquele dia lhes tinha trazido de novo. Não eram novas caras, nem novos ares. Era um mundo novo aos olhos deles! O que havia de novo era a maneira brilhante como o olhavam. Era valor que davam a cada uma das peças que faziam das suas rotinas um puzzle. Era como se estivessem a ver tudo pela primeira vez.”